16.set.2025 às 10h31
Leonardo Fuhrmann
São Paulo
As escavações do Estúdio Sarasá são feitas dentro do imóvel. Camada por camada, os profissionais buscam as histórias originais a partir de suas paredes, portas, janelas e pisos. Assim foi o trabalho coordenado pelo “conservador e restaurador”, como se autodefine, Antonio Sarasá no Palacete Piauí, na esquina das ruas Piauí e Itacolomi, em Higienópolis, na região central de São Paulo.
Tombado pelo Conpresp (conselho de patrimônio municipal) desde 2012, o casarão foi mantido pelas construtoras Helbor e MPD Engenharia, que arremataram o terreno em um leilão do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), em 2018. O investimento das empresas na restauração foi de R$ 10 milhões.
Palacete Piauí, em Higienópolis, passou por restauração e agora as construtoras Helbor e MPD Engenharia vão construir duas torres de apartamentos residenciais em seu terreno – Divulgação/Estúdio Sarasá
O casarão tem 900 metros quadrados e fica em um terreno 2.640 metros quadrados. É neste quintal, em uma área valorizada da cidade, que as empresas estavam mais interessadas. Na lateral e nos fundos do prédio histórico, elas vão construir duas torres de apartamentos residenciais. A torre A terá 20 andares, divididos em 40 unidades, com metragem média de 254 metros quadrados; na torre B, serão 96 unidades, com metragem média de 28 metros quadrados.
Antes do início das obras das torres, no entanto, decidiram se dedicar à restauração do palacete, a cargo da empresa de Sarasá. Ele comanda diversas obras de restauração espalhadas pelo país, tanto de iniciativas públicas quanto privadas. Para isso, conta com oficina própria para desenvolver ferramentas necessárias e para recortar réplicas de pisos, azulejos e pastilhas originais.
O palacete estava fechado desde 2003, quando a Polícia Federal inaugurou sua nova sede paulistana, na Lapa. Antes, parte das delegacias ficava na região central e outra parte no prédio de Higienópolis, onde também estava instalada a carceragem.
Palacete Piauí
O palacete estava fechado desde 2003, quando a Polícia Federal inaugurou sua nova sede paulista, na Lapa – Divulgação/Estúdio Sarasá
Desde os anos 1980, o porão da casa recebeu réus famosos, como os mafiosos italianos Tommaso Buscetta (1983), da Cosa Nostra, e Francesco Toscanino (1989), da Camorra, o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto e o ex-senador Luiz Estevão, ambos acusados de participação no esquema de corrupção na construção da sede do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2).
Antes, o prédio já havia servido, durante a ditadura militar, como sede do Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Isso fez com que o secretário municipal de Direitos Humanos da gestão Fernando Haddad (PT), Rogerio Sottili, chegasse a cogitar a transformação do local em um museu dedicado à proteção e divulgação dos direitos humanos. Proposta que acabou não vingando.
Palacete Piauí
O investimento das construtoras Helbor e MPD Engenharia na restauração do palacete foi de R$ 10 milhões – Divulgação/Estúdio Sarasá
A escavação de Sarasá foi mais longe. Ao retirar as camadas mais recentes de uso do prédio, ele chegou ao início do século 20.
Na época, o prédio foi construído pela família do ex-presidente Rodrigues Alves. “A Angélica, Maria Antônia e Dona Veridiana começaram a lotear a antiga propriedade para a mudança da elite da época, que saía da região da várzea dos rios para uma área mais alta, sem os problemas relacionados a alagamentos”, explica Sarasá. A ideia de higiene já fica marcada no nome do novo bairro, Higienópolis.
Palacete Piauí
Folhas de café são representadas nos vitrais e outros elementos decorativos da construção – Divulgação/Estúdio Sarasá
O palacete, segundo Sarasá, seguia um estilo da época, quando as famílias de produtores de café ainda moravam nas fazendas do interior, mas construíam casas na capital paulista como forma de mostrar seu poder político e econômico.
A origem da riqueza está marcada nos detalhes: folhas de café são representadas nos vitrais e outros elementos decorativos da construção. Os vitrais foram restaurados e devem ser colocado em breve na casa. A restauração também recuperou partes do piso e da pintura originais.
A Helbor afirma que pretende criar uma “agenda de atividades com foco em arte e cultura, firmando parceria com escolas e faculdades do bairro” no palacete por enquanto. O público em geral poderá se inscrever pelo site do palacete, para fazer as visitas entre outubro e novembro deste ano.
O Palacete Piauí, na esquina das ruas Piauí e Itacolomi, em Higienópolis, na região central da capital paulista, passou por restauração no valor de R$ 10 milhões.
Depois, o espaço terá alguma atividade privada. Um restaurante, livraria, café e galeria de arte são algumas das vocações que a construtora vê para o espaço. É a segunda vez que o INSS vende o imóvel a uma construtora. Em 1990, a Encol não concluiu a compra, que acabou cancelada.
No mês passado, a construção das duas torres provocou protestos do coletivo Pró-Higienópolis e da Associação de Proprietários, Protetores e Usuários de Imóveis Tombados (Appit). Eles reclamam que a obra descaracteriza o bairro e sufoca o bem tombado.
Reprodução: Folha de S.Paulo